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Bahia

COLUNA DO RICARDO VIVEIROS

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De Pindorama a Brasil

Em 12 de outubro de 1492, o navegador italiano Cristóvão Colombo, a serviço dos reis de Espanha, descobriu a América. Para resguardar a soberania sobre o novo território conquistado, o rei Fernando II de Aragão e a rainha Isabel de Castela, “a Católica”, pediram a intervenção do Papa Alexandre VI (Rodrigo de Borja), que emitiu quatro documentos de arbitragem territorial, conhecidos como “Bulas Alexandrinas”.

O sumo pontífice, por coincidência nascido em Castela, mantinha relações muito próximas com a coroa espanhola, incluindo troca de atenções. Favoreceu o seu país em detrimento de Portugal. Homem de família abastada, consta que se elegeu papa comprando votos de cardeais. 

Dom João II reagiu com firmeza ao protecionismo papal. Delegações diplomáticas se reuniram por vários meses em Tordesilhas, na atual província de Valladolid, Castilla e León. Finalmente, os delegados das duas monarquias chegaram a um acordo e firmaram, em 7 de junho de 1494, um documento bilateral: Tratado de Tordesilhas.

A VILA QUE DESCOBRIU O BRASIL, RICARDO VIVEIROS

Quando escrevi o livro A vila que descobriu o Brasil: a incrível história de Santana de Parnaíba (Geração Editorial), pesquisei desde o Tratado de Tordesilhas, que se encontra em museu de mesmo nome na cidade onde foi redigido, passando por outros locais da Espanha e de Portugal, até o Brasil. No Mosteiro do Escorial, em cidade próxima de Madri, encontrei um recibo assinado em 1573 pelo espião italiano Giovanni Gesio, que agia a serviço da Espanha contra Portugal, pago regiamente para conseguir uma cópia do, até então, secreto manuscrito Esmeraldo de Situ Orbis, de autoria do militar português Duarte Pacheco Pereira.

O que isso significa? Muita coisa interessante e pouco conhecida de nossa história.

No dia 9 de março, comemora-se, anualmente, a partida da esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral de Portugal rumo às Índias. Que, por acaso ou propositalmente – velha questão polêmica –, invadiu o Brasil em 22 de abril de 1500.

No mencionado manuscrito secreto, que, mais tarde, tornou-se livro, Duarte Pacheco Pereira revela que esteve no Brasil antes de Cabral. O autor merece confiabilidade, até porque o respeitado poeta Luís de Camões o apelidou de “Aquiles lusitano”. Portanto, Duarte, em missão sigilosa para a coroa portuguesa, que desconfiava de possíveis espertezas espanholas contra o tratado que assinaram, já havia estado no Brasil em 1498. Vale contar que Duarte foi um dos especialistas que, sendo também cosmógrafo e navegador, colaborou intensamente com a redação do Tratado de Tordesilhas, sendo um dos representantes de Portugal.

Especialistas afirmam que, mesmo antes de Duarte Pacheco Pereira – o que já muda a história conhecida –, fenícios, vikings e os navegadores espanhóis Diego de Lepe e Vicente Pinzón também já haviam estado no Brasil. Assim, quando em 15 de fevereiro de 1500, Pedro Álvares Cabral foi nomeado capitão-mor para a empreitada oferecida pelo rei de Portugal, Dom Manoel I, “o Venturoso”, o Brasil já havia sido realmente descoberto. Consta que Cabral foi o escolhido em razão da influência exercida por dois irmãos do navegador, conselheiros de sua majestade.

Aliás, como já comentado, a missão básica de Cabral era chegar às Índias para comprar especiarias. Consta que, além desse objetivo comercial, que incluía escravos e ouro, havia interesse em localizar Preste João. Quem era? Lendário imperador da Etiópia, cristão, que poderia se tornar um forte aliado português naquelas bandas africanas. Em especial, para combater os islamistas. Um resquício de ódio pela luta quando da expulsão dos mouros da península ibérica.

Na época dos grandes descobrimentos, nobres eram nomeados para comandar missões de conquista. Entretanto, diante da comum incompetência para capitanear esquadras, eram colocados como seus imediatos profissionais competentes. Assim, Cabral, formado em Humanidades, contou com os experientes navegadores Nicolau Coelho e os irmãos Bartolomeu e Diogo Dias para ajudá-lo com 10 caravelas, três naus e uma naveta (pequena embarcação que transportava alimentos e bebidas) com 1.500 homens, que, além de plebeus aventureiros e alguns mercenários, incluíam 700 soldados.

O primeiro desafio era conseguir o que Portugal tentava durante décadas, uma rota alternativa para as Índias que não fosse pelo Mediterrâneo, área dominada pelos aguerridos etruscos e otomanos. Cabral encontrou no seu caminho o Brasil, terra onde vivia uma população estimada entre três e cinco milhões de indígenas, distribuídos por várias tribos em todo o território. Achou que era uma grande ilha, passou uns dias e seguiu rumo ao seu objetivo principal, as Índias.

Dom Pedro II, monarca intelectual, pesquisou bastante para saber se a “descoberta” do Brasil teria sido um acidente de percurso ou algo intencional. E acabou não alcançando uma posição segura. Pedro Álvares Cabral, por sua vez, entrou para a história como um grande navegador, o descobridor do Brasil. Embora há quem afirme que morreu triste, porque viveu à sombra do sucesso do patrício Vasco da Gama. 

Havia, naquele tempo, como até hoje, muita intriga, traição, disputa pelo poder. O que não dispensava nomeações para equilibrar interesses de grupos. Cabral era um homem culto, educado, elegante e muito cioso de sua condição de nobre, respeitava a liturgia da sua condição social. Vasco da Gama, entretanto, foi um navegador com missões comerciais de muito êxito para as Índias.

Aqui fica a lembrança de que em 9 de março de 1500 começava o nosso futuro. Cabral poderia até saber que encontraria um imenso território, ainda inóspito, no meio da sua aventura pelos mares. Como no poema de Fernando Pessoa, que fala do mar salgado, do sal que são lágrimas de Portugal. Invasão ou descoberta, não importa. Valeu a pena, porque a alma brasileira não é pequena.

Diante da realidade, é necessário refletir e seguir em frente com coragem e esperança. Porque o passado é motivo para, no presente, com força e sabedoria, construirmos um futuro melhor e mais justo.

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