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Bahia

“Teria sido muito mais barato e melhor se esses acidentes nunca tivessem acontecido”, diz Lula sobre acordo da Bacia do Rio Doce

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Evento no Palácio do Planalto marcou repactuação com empresas e busca de reparação pela tragédia ambiental de Mariana (MG), a maior da história do Brasil, ocorrida em 5 de novembro de 2015

Ao participar nesta sexta-feira, 25 de outubro, do evento que marcou a assinatura da Repactuação do Termo de Transação de Ajustamento de Conduta de Mariana — referente à tragédia causada pelo rompimento da Barragem do Fundão, em 5 de novembro de 2015 — o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou que as lições da maior catástrofe ambiental do Brasil jamais sejam esquecidas: “o que aconteceu em Mariana não foi uma questão climática, foi uma irresponsabilidade pura e simples com o povo da região”.

“Espero que as empresas mineradoras tenham aprendido uma lição. Ficaria muito mais barato ter evitado o que aconteceu. Infinitamente mais barato. Certamente não custaria R$ 20 bilhões evitar a desgraça que aconteceu. Espero que isso também sirva de lição para outras centenas de lixo que as empresas jogam em represas”, enfatizou Lula, durante a assinatura do acordo que prevê pagamento de R$ 132 bilhões pelas empresas Samarco (responsável pela barragem do Fundão); Vale (brasileira) e BHP Billiton (anglo-australiana), que controlam a Samarco. O acordo também foi assinado pela Advocacia-Geral da União (AGU); governadores de Minas Gerais e Espírito Santo; a Procuradoria-Geral da União (PGR); e a Defensoria Pública da União. 

De acordo com Lula, para alcançar esses resultados, foram necessárias muitas conversas. “Foi um acordo melhor do que o inicialmente previsto. Quero me dirigir aos movimentos sociais atingidos pela tragédia de Mariana. Aqueles que representam atingidos por barragens, movimentos de mulheres, indígenas, quilombolas e pescadores. Já participei de muitas conciliações enquanto líder sindical. Nem sempre o acordo contempla todas as pautas importantes que defendemos. Mas, muitas vezes, pactuamos o possível”, afirmou o presidente. 

“Sei que, para muita gente, embora esse acordo tenha cifra de R$ 170 bilhões, e certamente, seja o maior acordo já feito na história moderna do capitalismo, é importante lembrar que a gente ainda não sabe o que foi feito com o gasto da fundação criada para cuidar disso”, argumentou. O presidente citou o fato de as empresas alegarem o desembolso de R$ 38 bilhões após a tragédia de Mariana, por meio da Fundação Renova. 

Com efeito, a repactuação do Termo de Transação de Ajustamento de Conduta de Mariana prevê, a partir da assinatura, a aplicação de R$ 132 bilhões. Desse valor, R$ 100 bilhões representam novos recursos, que devem ser pagos em até 20 anos pelas empresas envolvidas na tragédia ao poder público para serem aplicados em diversas destinações. Cabe às companhias a destinação de outros R$ 32 bilhões para custeio de indenizações a pessoas atingidas e de ações reparatórias que permanecerão sob sua responsabilidade.

MINISTÉRIOS — “A nossa dor de cabeça começa agora. Primeiro, porque esse projeto é para 20 anos, não é para 20 dias. Segundo, porque cada ministério que está envolvido em alguma área tem que apresentar projetos. Porque não é o discurso que faz a obra acontecer, é a qualidade do projeto” afirmou Lula. “É uma coisa que não existia neste país. Então, tem vários ministérios com vários compromissos. E se a gente não der conta do recado, daqui a 20 meses, aquilo que hoje é festejado como a conquista do maior acordo já feito, vai ser começado a cobrar do governo como a pior coisa que já aconteceu”.

Segundo o presidente, o acordo permite fazer reparação em uma tragédia que poderia ter sido evitada. “Tem gente que morava numa casa, que apitaram para eles saírem da casa e até hoje não conseguiram voltar para o lugar em que moravam. E quero saber quantas casas a Fundação construiu. Porque agora nós vamos ter que fazer as casas. Então, é importante isso, companheiros ministros: vocês, terminada a alegria da assinatura do ato, terminada a alegria da participação do movimento social e da participação de vocês, fica com vocês a responsabilidade de começar a construir o futuro”, alertou.

O recado foi recebido pelas diversas autoridades que participaram do evento, como o advogado-geral da União, Jorge Messias; o procurador-geral da República, Paulo Gonet; o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso; os governadores Renato Casagrande (Espírito Santo) e Romeu Zema (Minas Gerais); o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin; e os ministros Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Silveira (Minas e Energia), Nísia Trindade (Saúde), Jader Filho (Cidades), André de Paula (Pesca e Aquicultura), Anielle Franco (Igualdade Racial), Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Fernanda Machiavelli (ministra em exercício do Ministério do Desenvolvimento Agrário).

“É um acordo para se celebrar a capacidade de unidade nacional e de enfrentamento dos problemas e, quando se tem a política como mediadora de conflitos na sociedade, se encontram os caminhos para resolver os verdadeiros problemas do Brasil e do povo brasileiro”, reforçou o ministro Márcio Macêdo, da Secretaria-Geral da Presidência da República. “Nossos sentimentos e orações aos que perderam a sua vida e ao seu martírio. Aqui se celebra o sagrado direito de eles serem reparados”, declarou Alckmin.

BNDES – O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) fará a gestão do Fundo Rio Doce, no valor de R$ 100 bilhões.O fundo privado receberá os recursos de forma parcelada, das empresas Samarco Mineração S.A., Vale S.A. e BHP Billiton Brasil Ltda. durante 20 anos. O primeiro pagamento, no valor de R$ 5 bilhões, será feito 30 dias após a assinatura do acordo judicial, que totaliza R$ 170 bilhões. Os recursos promoverão ações de melhoria das condições socioeconômicas e da qualidade ambiental. Pelo acordo assinado nesta sexta-feira, o fundo será regulamentado por decreto do presidente da República e terá um Comitê Gestor que vai estabelecer as diretrizes das ações, aprovar o plano anual de aplicação dos recursos e os relatórios de execução. As regras de funcionamento do Comitê também serão disciplinadas por decreto presidencial.

CONCILIAÇÃO — Para Jorge Messias, o documento tem amplo significado. “Com a assinatura desta repactuação estamos encerrando um ciclo. Tivemos uma vitória, que é a vitória do diálogo, do entendimento. E isso só foi possível porque temos um Poder Judiciário que se abriu, que se voltou para a conciliação”, frisou. Após nove anos de um processo que se arrastou judicialmente, Messias ressaltou que o acordo, em todo o processo, teve como ponto principal as vítimas da tragédia. “Quero dizer para as vítimas, para a população da bacia do Rio Doce, que temos lado. E que todo o acordo foi construído atendendo à reivindicação histórica das comunidades”, garantiu.

VÁRIAS FRENTES — De acordo com o ministro Rui Costa, o acordo traz diretrizes pontuadas e exigidas pelo presidente Lula. “Em primeiro lugar, que as comunidades atingidas recebessem o volume mais expressivo dos benefícios. Que a gente olhasse o horizonte do tempo para cuidar da saúde dessas comunidades, não só um benefício de curto prazo. E, também, para o meio ambiente e o saneamento básico”, explicou.

JUSTIÇA ESTRANGEIRA — Um dos atores centrais para a conclusão do acordo, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, destacou que o ato representa um marco para o judiciário brasileiro. “Possivelmente é o maior acordo de natureza ambiental ocorrido na história da humanidade e em toda a história dos acidentes ambientais. Não foi pequeno o esforço, não foram pequenas as consequências e não é pequeno o tamanho do acordo a que nós chegamos”, completou Barroso. “A boa fé, a boa vontade, a disposição para o trabalho e o diálogo, o espírito público, quando reunidos como aqui, produzem frutos memoráveis e duradouros”, reforçou o procurador-geral da República, Paulo Gonet.

GOVERNADORES — Os governadores do Espírito Santo, Renato Casagrande, e de Minas Gerais, Romeu Zema, elogiaram a assinatura do documento e destacaram sua importância para as famílias atingidas pela tragédia e para o país como um todo. “Não é fácil fazer um acordo deste tamanho. A gente não recupera a vida das pessoas que perdemos. Mas a gente pode melhorar o ambiente onde essas pessoas hoje estão vivendo, as pessoas da Bacia do Rio Doce”, falou o governador do Espírito Santo. “Esse acordo tem um marco muito significativo, que é nos afastarmos da cultura do litígio, que sempre prevaleceu no Brasil, e nos aproximarmos da cultura da conciliação”, completou Romeu Zema.

OBRIGAÇÕES — Entre as obrigações do acordo para as empresas estão a retirada de 9 milhões de m³ de rejeitos depositados no reservatório UHE Risoleta Neves, usina hidrelétrica na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, que ocupa mais de 83 mil km² em Minas Gerais e Espírito Santo. Soma-se o Programa Indenizatório Definitivo (PID) voltado principalmente para os atingidos pela tragédia que não conseguiram comprovar documentalmente os danos sofridos, que passariam a ter direito ao pagamento de R$ 35 mil, aos atingidos em geral, e R$ 95 mil aos pescadores e agricultores afetados. A estimativa é de que mais de 300 mil pessoas terão direito a receber esses valores.

TRABALHO INTENSO — O acordo é fruto de um intenso trabalho de articulação política e jurídica. O processo envolveu a atuação de 13 ministérios e seis autarquias, além de quatro outras pastas e da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), que atuaram no compromisso de reparação, entre outros órgãos. 

MORTES E IMPACTOS AMBIENTAIS — Localizada a 35 quilômetros do centro do município de Mariana (MG), a Barragem do Fundão era de responsabilidade da Samarco, empresa controlada pelas mineradoras Vale (brasileira) e BHP Billiton (anglo-australiana). O desastre resultou na morte de 19 pessoas e no desaparecimento de outras três, além de 600 pessoas desabrigadas e 1,2 milhão de pessoas sem acesso à água potável. A lama percorreu uma trajetória de 663 km até atingir o mar.

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