Revolução Azul: A Criação de Peixes em Cativeiro e o Desafio da Sustentabilidade

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A aquicultura — o cultivo de organismos aquáticos — deixou de ser uma atividade secundária para se consolidar como a principal fonte mundial de proteína de pescado. No Brasil, país de dimensões continentais e vasta riqueza hídrica, a piscicultura em cativeiro se expande em ritmo acelerado, impulsionada por tecnologia de ponta e o imperativo da produção sustentável.


O aumento da população mundial e a estagnação da pesca extrativa nos oceanos colocaram a aquicultura no centro da estratégia de segurança alimentar. A criação de peixes em cativeiro, com destaque para a tilápia, que lidera a produção nacional, e espécies nativas como o tambaqui, é a resposta para garantir o acesso à proteína de alto valor biológico de forma controlada e previsível.

A Intensificação Tecnológica

A piscicultura moderna tem migrado dos tradicionais viveiros escavados (sistema semi-intensivo) para modelos de produção de alta densidade populacional, que visam maximizar a produtividade por metro cúbico de água.

  1. Tanques-Rede (Gaiolas Flutuantes): Consiste na criação de peixes em tanques instalados em represas ou rios. É um método que aproveita grandes corpos d’água represada no país, sendo popular pela facilidade de manejo e por exigir menos investimento inicial em estrutura terrestre.
  2. Sistemas de Recirculação de Água (RAS – Recirculating Aquaculture System): A vanguarda da piscicultura intensiva. Utiliza tanques em ambiente fechado onde a água é constantemente filtrada, tratada e reoxigenada, permitindo altíssimas densidades de peixes e um consumo mínimo de água (em comparação com outros métodos). É ideal para regiões com escassez hídrica ou restrições ambientais.
  3. Bioflocos (BFT – Biofloc Technology): Uma técnica promissora que transforma os resíduos orgânicos (fezes e restos de ração) em biomassa microbiana (os bioflocos), que serve de alimento adicional para os peixes. Isso reduz a poluição da água, diminui a necessidade de ração e melhora a qualidade da água do cultivo.
  4. Aquaponia: Sistema que combina a criação de peixes com o cultivo de plantas (hidroponia). A água rica em nutrientes provenientes dos dejetos dos peixes serve para fertilizar as plantas, que, por sua vez, filtram a água que retorna ao tanque. É um modelo de produção circular, eficiente e altamente sustentável.

Sustentabilidade no Prato

O consumidor atual está cada vez mais atento à origem do alimento e às práticas ambientais. A sustentabilidade na aquicultura abrange três pilares essenciais:

  • Ambiental: Uso eficiente da água, tratamento de efluentes e adoção de rações com ingredientes de maior digestibilidade, preferencialmente de origem vegetal, minimizando a poluição.
  • Social: Geração de emprego e renda local em regiões rurais, contribuindo para a segurança alimentar e o desenvolvimento regional.
  • Bem-Estar Animal: Há uma crescente preocupação com o bem-estar dos peixes, adotando-se práticas que evitam estresse, dor e desconforto, inclusive com a busca por métodos de abate humanitário.

Os Desafios para a Próxima Década

Apesar do crescimento robusto (a produção brasileira de peixes cultivados segue em ritmo de expansão, com destaque para a tilápia), o setor enfrenta desafios cruciais:

  1. Custo da Ração: O alto custo da alimentação, que representa a maior parte dos custos de produção, exige um manejo alimentar extremamente preciso para evitar desperdício e garantir a eficiência.
  2. Sanidade: Em sistemas intensivos, a alta concentração de peixes torna o controle de doenças um desafio constante, necessitando de monitoramento diário da qualidade da água e acompanhamento técnico especializado.
  3. Regulamentação e Infraestrutura: A aquicultura ainda carece de marcos regulatórios mais ágeis e de melhor infraestrutura de escoamento e processamento do pescado, principalmente para espécies nativas e pequenos produtores.

O futuro da aquicultura é promissor e aponta para uma “Transformação Azul”, um movimento global que defende a expansão da produção aquícola de forma inovadora e sustentável. Com o apoio da pesquisa (como a realizada pela Embrapa) e a adoção de tecnologias de ponta, a criação de peixes em cativeiro se consolida como uma atividade chave para nutrir o mundo, respeitando o meio ambiente.

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