Brasília
COLUNA DO RICARDO VIVEIROS
Transbordamento
Há 84 anos, na cidade de Montevidéu, no Uruguai, nascia em 3 de setembro um menino ao qual seus pais, descendentes de uma elite agrícola católica, batizaram com o imponente nome de Eduardo Germán María Hughes Galeano.
Desde pequeno, Eduardo Galeano, como mais tarde se tornou conhecido mundialmente, sentiu-se atraído por assuntos populares como religião, futebol e política.
Pensou em ser padre, era craque na bola, desenhava bem (trabalhou como criador de letreiros) e, aos 14 anos, vendeu uma charge política para o jornal El Sol.
Não poderia ser diferente, apaixonou-se ao ver o seu trabalho criativo impresso no papel e decidiu ser jornalista.
Com o tempo, acumulando tantas histórias, tornou-se também escritor.
No começo dos anos 1960, Eduardo Galeano foi editor do jornal semanal Marcha, no qual colaboraram outros dois grandes nomes da literatura, o poeta uruguaio Mario Benedetti e o romancista peruano Mario Vargas Llosa.
Foi também editor do importante diário uruguaio Época.
Perseguido em seu país quando do golpe militar, em 1973, esteve preso e foi incluído em lista do famigerado “Esquadrão da Morte” – grupo de extermínio de opositores ao regime.
Eduardo Galeano exilou-se na Argentina e na Espanha.
Voltou ao Uruguai na redemocratização, em 1985, e lá ficou até morrer de câncer generalizado em 13 de abril de 2015.
Seu mais importante livro, que o tornou conhecido e admirado internacionalmente: As veias abertas da América Latina.
Obra polêmica lançada em 1971 e tida como importante posicionamento de esquerda, muitos anos depois, na 2ª Bienal do Livro e da Leitura, em Brasília (DF), aqui no Brasil, mereceu uma explicação do autor: “Veias abertas pretendia ser um livro de economia política, mas eu não tinha o treinamento e o preparo necessários”.
E, para surpresa de todos, porque eu estava lá e não me esqueço do momento, Galeano confidenciou com sinceridade:
“Eu não seria capaz de reler esse livro; cairia dormindo.
Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é extremamente árida, e meu físico já não a tolera”.
A declaração foi destaque na imprensa, intelectuais de esquerda se mostraram indignados com a mudança nas convicções políticas do respeitado jornalista e escritor que tanto sofrera por suas corajosas posições ideológicas.
Mais tarde, em uma entrevista, Galeano deixou claro:
O livro, escrito há tanto tempo, continua vivo e saudável.
Apenas sou honesto o bastante para admitir que neste ponto de minha vida o velho estilo de escrita me soa por demais pesado, e que é difícil me reconhecer nele, já que prefiro agora ser cada vez mais breve e fluente.
E, para eliminar qualquer tipo de ilação, afirmou: “As vozes que se levantaram contra mim e contra As veias abertas da América Latina estão seriamente enfermas e agem de má-fé.
Seus textos têm estilo único, e podem ser observados vários gêneros literários que convivem em perfeita harmonia na mesma obra: narrativa, ensaio, poesia e crônica, despertando encantamento nos leitores.
Para lembrar o talento de Eduardo Galeano, busquei a magia de um pequeno conto extraído de O livro dos abraços, da editora L&PM (1997), traduzido por Eric Nepomuceno:
Diego não conhecia o mar.
O pai, Santiago Kovakloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos.
E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: Pai, me ensina a olhar!
Nos dias de hoje, nada mais importante do que aprender a olhar com respeito a grandeza das coisas.