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Brasil

COLUNA DO RICARDO VIVEIROS

Publicado

em

ELEIÇÕES: O RISCO DA DEMOCRATURA

Tivemos, ontem, a festa da democracia.

Eleições municipais em todo o Brasil.

Diante dos resultados, em tempo recorde graças a eficácia das urnas eletrônicas – tão criticadas pelos inimigos da seriedade –, cabe fazer uma reflexão com olhares para o passado, o presente e o futuro.

Estas eleições custaram muito caro ao povo brasileiro R$ 4.961.519.777,00, entregues a 29
partidos políticos.

A mesma Grécia – que deu origem à democracia – criou e permitiu a tirania.

Nem todos os democratas foram defensores da paz e da liberdade, como nem todos os tiranos foram violentos e injustos.

Ao longo do tempo, a política aconteceu no embate de ideias, a esquerda e a direita surgiram na França (1789) polarizando, confrontando eleitores muito além de imaginários, como
hoje acontece.

Pode haver quem pense em não se comprometer, ficar no centro e evitar confrontos.

Acreditar em um suposto equilíbrio é um equívoco.

O centro caracteriza falta de coragem, de opinião, de comprometimento com os legítimos interesses coletivos.

Na falsa imparcialidade, esconde-se o fisiologismo, a prática do ditado popular: “Farinha pouca, meu pirão primeiro!”.

Fingir estar bem com todos os lados é oportunismo.

Com a crescente agressividade do debate político, surgiu uma perigosatendência em relativizar absurdos.

Não se pode considerar “normal” o que não é, optando por uma tolerância inconcebível e prejudicial.

Erros devem ser enfrentados e resolvidos da melhor maneira, dentro da realidade e da lei, sem
agradar lados.

A democracia permite, sob o amparo de algumas regras, que pessoas de todas as origens e posições alistem-se em um partido e, em consonância com a proposta ideológica e o programa de ações dele, sejam candidatas aos cargos eletivos.

Nestas eleições para vereadores e prefeitos das cidades brasileiras, além do horário eleitoral gratuito – que de gratuito não tem nada, porque custa muito produzir publicidade (o que foge à proposta de isonomia na disputa) –, tivemos os debates.

A imprensa, no seu papel de informar e gerar reflexões, promoveu o confronto entre os candidatos aos cargos majoritários.

E tivemos de tudo, menos o esperado debate de programas, propostas.

Surge, mais uma vez, um perigoso clima de frustração na sociedade e, pior, o risco de serem eleitos os menos preparados.

Porque aparecem nomes que não têm trajetória, ética, capacidade política, conhecimento dos problemas para cumprir a função dentro da liturgia do cargo.

A palavra “prefeito” vem do latim praefectus, que significa “posto acima dos outros”.

Ainda bem que temos democracia!

Mas, em contrapartida, quando se observa, por exemplo, em São Paulo, o que foi a candidatura do derrotado Pablo Marçal (PRTB), a antítese do que se espera de um prefeito, e o povo votou nele, cresce a discussão sobre relativizar.

Não se pode crer na possibilidade de alguém despreparado, histriônico, agressivo, preconceituoso e de integridade discutível ocupar um cargo público de tanta relevância.

Simplesmente porque tem “jeitão” de quem vai “botar pra quebrar”, “colocar ordem na bagaça” Pablo Marçal, como muitos outros candidatos pelo País, foi um sombrio exemplo do que podemos chamar de “Democracia Bolsonariana”.

Ou seja, um ditador eleito pelo voto.

Alguém que é alçado ao poder sem a mínima condição de exercer tal mandato dentro das expectativas da sociedade, mas que representa, pela falta de educação, de cultura e de consciência política, para as vítimas de políticos como ele, que desprezam a educação e a cultura, o falso “salvador da Pátria”.

O “lobo em pele de cordeiro” que pode ser eleito pela desesperança, pela mentira presente nas redes sociais em irresponsável disseminação.

A Justiça Eleitoral deve, precisa, punir exemplarmente os candidatos que foram pegos produzindo e divulgando mentiras contra os adversários.

Sob pena de perder autoridade e, assim, criar espaço para a continuidade desse tipo de
crime.

Bolsonaro, mantendo coerência com seu caráter oportunista, apoiou não apoiando candidatos como Pablo Marçal e similares por todo o País.

Até mesmo em uma importante capital, traiu o seu partido (PL) e apostou na candidata de outra agremiação política concorrente.

O que vimos afinal nestas eleições, foi que a direita cresceu como também cresceu o centro.

A modernidade respeitando os direitos humanos não avançou.

Presidente Lula, exercendo o poder federal, não se envolveu de corpo em alma nas campanhas da esquerda.

De todo modo, o PT que de mais de 600 prefeituras havia caído para menos 200 após a malfadada Operação Lava Jato, deverá fazer em torno de 400 prefeitos nestas eleições.

Um sinal interessante foi que, fugindo à polarização, foram reeleitos em primeiro turno prefeitos que, de diferentes partidos, realizaram um bom mandato na opinião popular.

Outro ponto interessante, a zeladoria, que é função básica municipal, perdeu espaço na preocupação popular para a segurança, responsabilidade do estado.

Foi grande a abstenção, como foram significativos os votos brancos e nulos.

Há desesperança, e isso é péssimo para a democracia.

Ainda não acabaram as eleições em várias cidades, portanto a luta continua pela democracia real.

É necessário combater os candidatos da democratura.

Voto não é arma, é ferramenta.

Muito cuidado no uso dele!

Ricardo Viveiros, jornalista, professor e escritor, é doutor em Educação, Arte e História da Cultura (Universidade Presbiteriana Mackenzie); autor, dentre outros livros, de "A vila que descobriu o Brasil", "Justiça seja feita" e "Memórias de um tempo obscuro". Apresenta o programa “Brasil, mostra a tua cara!” às sexta-feiras, 23 horas, na TV Cultura.