Brasil
COLUNA DO RICARDO VIVEIROS
20 anos sem Brizola
Sempre fui um iconoclasta.
Nada de adoração a supostos seres perfeitos, pois inexiste perfeição.
Em vez de ídolos, prefiro admirar e respeitar algumas poucas pessoas que, por mérito próprio, transcendem o comum e se tornam protagonistas da vida.
Uma delas, Leonel de Moura Brizola.
Filho de pobres camponeses, foi engraxate para ajudar a mãe viúva que o alfabetizou em casa, formou-se engenheiro, tornou-se político.
Elegeu-se deputado estadual e federal, prefeito de Porto Alegre, governador dos estados do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro — sempre pelo voto livre, secreto, direto.
Bom filho, irmão, marido, pai, avô e amigo, também foi apaixonado adversário de seus opositores, o que o levou a errar em alguns episódios importantes.
O “engenheiro Brizola”, como ele gostava de ser tratado (embora nunca tenha exercido a profissão), já era independente antes mesmo de se tornar um homem.
Menino, escolheu o próprio nome e foi sozinho fazer o registro no cartório de Passo Fundo, cidade mais próxima de Cruzinha, povoado gaúcho onde nasceu.
Seu pai, um “maragato” de primeira hora, morreu na Revolução Federalista (1923) combatendo os “castilhistas” republicanos.
O filho subiu a pulso a corda da vida, foi coerente e corajoso na defesa de seus ideais.
Brizola era um populista, um caudilho comprometido com a inclusão da classe trabalhadora no cenário político nacional.
Sempre teve compromisso com as legítimas causas das parcelas mais humildes da gente brasileira.
Governador do Rio Grande do Sul (1959-1963), construiu em seu mandato 6.302 escolas públicas.
Governador do Rio de Janeiro (1983-1987), com o antropólogo Darcy Ribeiro, implantou os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps).
Os Cieps oferecem ensino integral para crianças e adolescentes, abrangendo alimentação, assistência à saúde, esporte, lazer e cultura.
O exemplo que gerou mais tarde os “Ceus”, em São Paulo.
Como repórter, estive com ele em inesquecíveis momentos: 1970, quando,exilado, recebeu-me em seu apartamento de Montevideo, Uruguai; 1978, na Alemanha, quando denunciou as atrocidades da ditadura militar brasileira no encontro da Internacional Socialista; 1979, na sua emocionada volta ao Brasil depois de 15 anos de resistência no exílio; 1980, quando, por manobra do ministro general Golbery, chorou ao perder a sigla do PTB para Ivete Vargas; em 1982, quando vira o jogo e se elege governador do Rio.
Em quase 60 anos de vida pública, com erros e acertos, Brizola manteve fidelidade aos mesmos ideais e o mesmo espírito combativo na defesa de uma sociedade livre, democrática e justa.
Seu estilo duro de fazer política nunca o impediu de ser bem-humorado, Brizola cunhava irônicas denominações: “filhote da ditadura” (Fernando Collor); “mauricinhos e patricinhas” (jovens alienados cariocas); “sapo barbudo” (Lula); “gato angorá” (Moreira Franco).
A Leonel Brizola devem-se a Rede da Legalidade (1961); a defesa, no Exterior, dos brasileiros perseguidos pela ditadura militar após o golpe de 1964; o respeito à Educação; a sua luta pela redemocratização do Brasil; e outros exemplos de civismo, de nacionalismo.
Lembro-me de uma conversa nossa, quando disse: “Não existirá felicidade enquanto uma só criança estiver abandonada, perambulando nas ruas”.
Leonel Brizola despediu-se da vida interferindo, diretamente, no cotidiano da política brasileira.
Como ele mesmo havia ameaçado ao dizer “Sou como um cavalo inglês: vou morrer na cancha”.
E cumpriu: a votação do salário mínimona Câmara Federal foi obstruída pela sua morte, em junho de 2004, que, mais vivo do que nunca, posicionou-se em defesa do trabalhador.
Imagino como estaria pensando, dizendo e agindo diante da tragédia que se abate sobre o Rio Grande do Sul.
É de Brizola a seguinte reflexão: “Em matéria de necessidade pública, primeiro a gente faz a despesa necessária ao interesse coletivo e depois, a receita.”
Marcos Brasilino de Carvalho
maio 20, 2024 at 9:57 am
Muito bom, Ricardo. Eu muito jovem, acompanhava a Rede da Legalidade pela Rádio Mayrink Veiga.