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BH e Região Metropolitana

Exposição mostra arte e estética produzidas durante a ditadura militar

A exposição “Política e Vanguarda (1964/85) na coleção Lili e João Avelar”, em cartaz no Museu Inimá de Paula a partir de 17 de abril de 2024, traz a público um conjunto de aproximadamente 300 obras produzidas durante o regime militar Os trabalhos revelam motivações políticas e sociais dos artistas e evidenciam, ainda, profundas transformações de linguagens que deram origem a práticas experimentais e conceituais no Brasil

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Exposição mostra arte e estética produzidas durante a ditadura militar

A exposição “Política e Vanguarda (1964/85) na coleção Lili e João Avelar”, em cartaz no Museu Inimá de Paula a partir de 17 de abril de 2024, traz a público um conjunto de aproximadamente 300 obras produzidas durante o regime militar. Os trabalhos revelam motivações políticas e sociais dos artistas e evidenciam, ainda, profundas transformações de linguagens que deram origem a práticas experimentais e conceituais no Brasil. A produção, que tem apoio da Prefeitura de Belo Horizonte, fica em cartaz até 18 de agosto, das 10h às 18h30, nas terças, quartas, sextas-feiras e sábados; das 12h às 20h30, aos domingos e feriados e das 10h às 16h30, nas quintas-feiras. A entrada é gratuita.

Apresentando um conjunto diversificado de obras e meios, o curador da exposição (e colecionador) João Avelar reuniu trabalhos que convergem na tomada de posição frente aos dilemas éticos e sociais contemporâneos, permitindo que o visitante compreenda as nuances e desdobramentos de questões estéticas centrais que marcaram as artes visuais de 1964 a 1985. É sobretudo nos anos 1960 e 1970 que testemunhamos uma recusa dos meios tradicionais da arte e de uma busca por referências ao mundo contemporâneo. Com obras marcadas por um caráter transgressivo e contestatório, a seleção apresentada na exposição lança luz sobre a arte como ferramenta de transformação e reflexo do mundo.

Artistas como Antônio Dias, Rubens Gerchman, Carlos Vergara, Roberto Magalhães e Pedro Escosteguy, entre outros, ocuparam no Rio de Janeiro posição de destaque em um grupo heterogêneo, conhecido como Nova Figuração. Em São Paulo, na mesma época, temos alguns artistas que até então se destacaram no movimento concreto, tais como Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Maurício Nogueira Lima e Judith Lauand e que, a partir de então, migraram para experiências figurativas.

Também em São Paulo merecem destaque os trabalhos de Cláudio Tozzi, Nelson Leirner, Marcelo Nitsche e Samuel Szpigel, com críticas de cunho social, através de obras irreverentes. Esses artistas trouxeram para o campo das artes visuais as referências de imagens banais do dia a dia e do kitsch, imbuídos do que o artista Hélio Oiticica chamaria de uma “linguagem pop híbrida”. Merece registro a presença da obra “O presente”, de Cybele Varela, que foi submetida a censura e retirada da Bienal de 1967, antes mesmo de sua abertura, por determinação da Polícia Federal.

Artistas presos

A experiência de artistas que foram presos políticos durante o regime também é contemplada na exposição. Como exemplo, temos um conjunto de 30 desenhos feitos por Carlos Zílio em 1970/71, quando esteve preso no Rio de Janeiro, e dois desenhos de Sérgio Sister, também de 71, feitos no Presídio Tiradentes, em São Paulo. A atmosfera de violência e sufocamento nesse período é expressa em obras de Artur Barrio, Anna Bella Geiger, Antonio Manuel, Antônio Henrique Amaral, Cildo Meireles e Gabriel Borba Filho, entre outros.

As disputas simbólicas que colocavam em confronto o projeto nacionalista do regime militar e o posicionamento dos artistas revela-se no grande conjunto de obras que tem como tema a bandeira nacional e as idéias de nação. Destacam-se trabalhos de Carlos Vergara, Glauco Rodrigues, Luiz Alphonsus e Samuel Szpigel, que dialogam com a reação dos artistas contra o imperialismo estadunidense, também expresso em obras de Antônio Henrique Amaral, Cláudio Tozzi e Mario Ishikawa.

É notável na coleção a presença de um conjunto representativo da produção feita por artistas mulheres. A aquisição em 2003 de uma obra de Wanda Pimentel, da série Envolvimentos, foi disparadora de um olhar atento dos colecionadores sobre a produção das artistas do período; hoje a coleção conta com obras de grande relevância de Letícia Parente, Anna Bella Geiger, Amélia Toledo, Claudia Andujar, Cybele Varela, Judith Lauand, Regina Vater, Regina Silveira, Ana Vitória Mussi, Lenora de Barros, Lygia Pape, Mira Schendel, entre muitas outras. Para além das questões relacionadas aos papés sociais da mulher e da representação do corpo feminino, as obras da coleção iluminam as estratégias experimentais e conceituais, de grande sofisticação, adotada pelas artistas brasileiras nesse período.

A exposição também apresenta uma ampla gama de artistas que não se limitavam ao eixo Rio-São Paulo como, por exemplo, os mineiros Décio Noviello, Manfredo Souza Neto, Carlos Alberto Nemer e Lótus Lobo; os gaúchos Avatar Moraes, Glauco Rodrigues e Pedro Escosteguy; o pernambucano Paulo Bruscky, o sul-matogrossense Humberto Espíndola, entre outros.

O mineiro Décio Noviello terá um destaque especial, onde serão apresentadas pinturas, desenhos, gravuras, fotografias e vídeo, incluindo o registro de ação apresentada na histórica exposição “Do Corpo à Terra”, de 1970, em Belo Horizonte, quando o artista era capitão do exército e utilizou granadas de uso exclusivo pelas forças armadas, para “pintar” o Parque Municipal e o Palácio das Artes.

Considerada uma das coleções de arte brasileira mais importantes do país, com foco na segunda metade do século passado, o acervo de Lili e João Avelar conta com obras que participaram de exposições de relevância para a historiografia da arte brasileira e continuam em circulação em mostras institucionais de peso, dentro e fora do Brasil; é o caso, por exemplo, da coletiva International Pop, organizada pelo Walker Art Center (Minneapolis) e apresentada também no Dallas Museum of Art e no Philadelphia Museum of Art. Essa exposição, de grande repercussão internacional, propôs mapear o desenvolvimento global da arte ligada às estratégias da Pop Art. Além de ter formado a base da contribuição brasileira para essa exposição, a Coleção Lili e João Avelar esteve presente também em coletivas recentes realizadas no Brasil, como AI 5 50 anos – Ainda não terminou de acabar, apresentada no Instituto Tomie Ohtake.

Ao reunir este conjunto de experiências de vanguarda que emergiram durante o regime militar e apresentá-las de forma sistematizada, a exposição sublinha a originalidade da arte brasileira produzida nesse período e a coexistência de suas “múltiplas tendências”, para citar novamente Oiticica.