Siga-nos

Coluna do Ricardo Viveiros

COLUNA DO RICARDO VIVEIROS

Publicado

em

Tributos x Direitos

No remoto tempo em que o mundo era dividido apenas entre grupos de humanos selvagens, os tributos surgiram como forma de render dependência.

As tribos lutavam entre si e os perdedores entregavam suas riquezas aos vencedores.

Montar grandes e equipados exércitos sempre acabou por aumentar a carga tributária dos países, porque isso redundaria em mais riquezas, fruto das batalhas e conquistas.

Os governantes, já na Idade Média, exigiam “contribuições” e “doações” de seus súditos, disfarçando o odioso nome “tributo”.

O objetivo foi sempre o mesmo: amealhar riqueza sem o compromisso de contrapartida. E financiar os governantes. 

O primeiro tributo sobre a pessoa física foi criado pelo Império Romano.

Aliás, foi com seus exércitos bem estruturados, portanto imbatíveis, que Roma antiga construiu seus imensos e ricos palácios.

E criou muitos tributos: sobre o patrimônio imobiliário, a herança, o comércio, a produção agrícola, o trânsito de pessoas e de mercadorias.

Naquele tempo, todos pagavam tributos: os pobres por existirem e os ricos pelo patrimônio líquido.

Na Europa dos séculos XV e XVI, fatores como as conquistas ultramarinas, as guerras e o surgimento do mercantilismo acabaram por fortalecer o aumento de tributos.

Cada vez mais, o cidadão via-se obrigado a suprir e financiar os governos.

E, é claro, sempre sem nenhuma obrigatoriedade de retorno em qualquer tipo de benefício.

Se houvesse, era por mera “generosidade” do poder.

A clássica escola econômica do filósofo e economista britânico Adam Smith (nascido na Escócia), de maneira cuidadosa e responsável, estabeleceu princípios para os tributos. O mais importante deles: “O imposto não deve arruinar o povo”.

A Inconfidência Mineira, entendida como movimento pela libertação do Brasil, foi, a rigor, o primeiro protesto da sociedade brasileira contra a já pesada carga tributária imposta pelo colonizador lusitano.

Custou muitas vidas, entre as quais a de Tiradentes.

Há três tipos de tributos previstos na Constituição brasileira: o imposto, a taxa e as contribuições voltadas às melhorias de caráter social.

Todos obrigatórios.

E um detalhe: também sem nenhum compromisso de contrapartida ao contribuinte.

Neste momento, finalmente tramita no congresso um projeto – há décadas postergado – de “Reforma Tributária”.

E o simples cidadão, quando será lembrado com justiça tributária?

O Imposto de Renda da Pessoa Física, por exemplo, incide sobre o salário.

Esse é o problema, “Pessoa Física”… Se fosse da “Pessoa Mental”, talvez se aplicasse ao menos sobre a verdadeira renda líquida – já que poderia ser fruto de um pensamento no mínimo coerente e realista.

Não é.

Não se pode abater tudo o que foi, honesta e comprovadamente, gasto com saúde, educação, moradia, cultura – alguns direitos do cidadão e deveres, por exemplo, não cumpridos pelo Estado no (des)governo anterior, do inominável e inelegível apaixonado por joias de luxo, motocicletas, jet skis, armas etc. – esses produtos nada essenciais. 

Um dos mais absurdos exemplos disso está nos empregados domésticos, cujos salários e benefícios os contratantes não podem abater nas suas declarações de renda.

Você gera empregos para cozinheiras, arrumadeiras, babás, motoristas, jardineiros e outros profissionais, que, além dos salários e benefícios recebidos, muitos deles moram nas casas de seus contratantes, e que não podem deduzir no seu imposto essa concreta contribuição social em um país ainda com 8,6 milhões de desempregados.

Sem falar, por fim, da Tabela do Imposto de Renda, que ficou sem nenhuma correção desde 2015, até o ano passado quando o presidente Lula se preocupou em fazer um ajuste atualizando o valor.

O mundo evoluiu?

Talvez.

Contudo, no aspecto tributário continuamos nos tempos selvagens, em que os mais fortes dominavam os mais fracos e estes, coitados, pagavam com suas “riquezas” o alto preço da derrota, demonstrando dependência aos poderosos. 

Reforma tributária deve implicar não apenas na arrecadação, mas também o cumprimento dos deveres do poder para com os direitos dos cidadãos.

Que o parlamento federal tenha consciência de que o atual governo brasileiro tem demonstrado efetiva preocupação com os mais humildes, investindo em saúde e educação mesmo contra alguns poderosos líderes do mercado financeiro que insistem em não entender que o dinheiro dos impostos deve ser utilizado para também tirar a população da miséria. 

Ricardo Viveiros, jornalista, professor e escritor, é doutor em Educação, Arte e História da Cultura (Universidade Presbiteriana Mackenzie); autor, dentre outros livros, de "A vila que descobriu o Brasil", "Justiça seja feita" e "Memórias de um tempo obscuro". Apresenta o programa “Brasil, mostra a tua cara!” às sexta-feiras, 23 horas, na TV Cultura.

Clique para comentar

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *